Contrariando as expectativas iniciais – minha e de vários colegas de profissão – de que a política fiscal seria o principal objeto de discussão entre economistas e agentes de mercado ao longo de 2023, vimos nas últimas semanas um intenso debate sobre a condução da política monetária tomar conta do noticiário econômico e até mesmo político.
A causa da discussão, contudo, é antiga, sendo originada por um problema crônico de nossa economia: o estabelecimento de uma trajetória saudável de crescimento ao longo do tempo (aqui entendido como crescimento com inflação controlada).
O Brasil possui atualmente uma das maiores taxas nominais de juros do mundo, assumindo o topo do ranking quando se trata de juros reais, taxa nominal descontada da inflação, sendo este o principal mecanismo utilizado pelo Banco Central para conter a escalada inflacionária que atingiu o país cerca de dois anos atrás.
No entanto, se por um lado desempenham papel importante no combate à inflação, os juros acabam jogando contra o crescimento econômico ao encarecer a tomada de crédito por parte de famílias e empresas.
Esta relação paradoxal entre inflação e crescimento é o cerne do debate atual sobre a política monetária brasileira, sendo que enquanto membros do governo defendem ser possível reduzir os juros no curto prazo, o Banco Central, responsável de fato por alterações nos juros, segue advogando em favor de uma Selic em patamar mais elevado.
Uma das variáveis apresentadas pela autoridade monetária como justificativa para o patamar da taxa de juros são as expectativas dos agentes, sendo talvez o elemento mais difícil de compreensão para o leitor que se depara com debates desta natureza pela primeira vez, o que não deve ser considerado preocupante, visto que o nível de abstração conceitual envolvido deixa de fato margem para dúvidas.
Neste sentido, o objetivo deste artigo é apresentar um breve contexto histórico do surgimento das expectativas como conceito teórico, esclarecer sua definição e papel na conjuntura econômica e mostrar ainda como são coletadas, o que se prova necessário na medida em que, como vimos acima, trata-se de uma variável com papel fundamental na dinâmica da economia atual.
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O papel das expectativas na economia contemporânea
O conceito de expectativas foi inserido no debate econômico ainda no século XX por meio de John Maynard Keynes, um dos principais economistas da história e talvez o mais importante de seu tempo, que no clássico Teoria Geral do Emprego, do Juros e da Moeda (1936), introduziu o que se viria a ser conhecido como “expectativas adaptativas”, termo utilizado para justificar a decisão de consumo e investimento dos agentes econômicos (famílias, empresas e governo) a partir de experiências passadas, o que envolve, por exemplo, a incorporação dos efeitos da inflação de períodos anteriores nas decisões atuais destes grupos. A lógica se estende para demais fenômenos de natureza econômica, como o crescimento.
Entretanto, na medida em que o mainstream da teoria econômica se deslocou do chamado keynesianismo, termo atribuído à teoria desenvolvida por Keynes e que acabou se tornando uma das principais escolas econômicas do mundo, para a chamada teoria neoclássica, algo que ocorreu com mais intensidade a partir do último quartil do século passado, o conceito de expectativas acabou sendo revisto e substituído pelo que se convencionou chamar de “expectativas racionais”.
Neste caso, os agentes, munidos de informações relevantes sobre o cenário econômico, analisam não só a experiência passada como também incorporam perspectivas futuras no momento de tomar decisões, buscando antecipar efeitos negativos provenientes de fenômenos econômicos e mitigar perdas através de mecanismos que estejam ao seu alcance.
Visto que a teoria neoclássica segue como mainstream no campo da economia, as expectativas racionais também continuam desempenhando papel fundamental na tarefa de leitura do comportamento dos agentes econômicos e formulação de políticas públicas.
Influência na conjuntura econômica
Uma vez entendido o conceito de expectativas racionais, passemos agora à sua aplicação no campo real. No caso da política monetária, ao tomar decisões sobre a taxa de juros, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central utiliza modelos econométricos que levam em consideração uma série de fatores vistos como responsáveis pela construção dos juros no Brasil, dentre eles as expectativas dos agentes de mercado.
Sua influência se dá na medida em que elas estejam mais ou menos alinhadas ao objetivo buscado pelo Banco Central, que no caso é a meta de inflação proposta no Regime de Metas para Inflação (RMI) do ano em questão. Caso estas expectativas sejam convergentes, afirmamos que elas se encontram “ancoradas”, sendo o caminho inverso válido, ou seja, expectativas divergentes são consideradas “desancoradas”.
Caso estejam ancoradas, as expectativas ajudam na manutenção dos juros em patamar mais baixo, pois sinalizam menos incerteza por parte dos agentes e maior alinhamento aos planos da autoridade monetária no que diz respeito à tomada de recursos para realização de consumo e/ou investimento.
Neste sentido, em um contexto como o experimentado atualmente pela economia brasileira, que passa por um processo de desinflação a partir da utilização de uma política monetária restritiva, o acompanhamento da trajetória das expectativas é de grande relevância para os formuladores de política econômica, uma vez que fornece informação valiosa para as decisões de alteração ou não dos juros.
Uma decisão equivocada neste caso pode custar caro para o país ao proporcionar uma queda muito precoce nos juros, impulsionando novamente a inflação para cima, ou mesmo um ciclo excessivamente prolongado de juros elevados, que comprometerá o crescimento em um ou mais anos.
Como são coletadas as expectativas?
E como sabemos se as expectativas (supostamente racionais) estão ancoradas ou não aos objetivos do Banco Central? No Brasil, a principal ferramenta de acompanhamento é o Boletim Focus, divulgado toda segunda-feira pelo Banco Central com informações sobre as projeções de curto e médio prazo dos agentes do setor financeiro para a economia brasileira. Além do IPCA, podem ser encontradas também projeções para a Selic, câmbio, PIB e outras variáveis mais.
Além disso, antes de cada reunião do Copom, o Banco Central envia um informativo às casas financeiras chamado “Questionário Pré-Copom” (QPC), que, de forma bem mais detalhada, cumpre com o mesmo objetivo: coletar as expectativas dos agentes de mercado.
Aqui é importante fazer uma pausa e traçar um paralelo entre a experiência brasileira e a de países desenvolvidos no campo da coleta de expectativas de mercado. Neste sentido, destaque para o modelo utilizado pelo FED, que utiliza duas pesquisas distintas para computar as expectativas dos agentes.
A primeira delas chama-se “Professional Forecasters”, onde são convidados a participar não só empresas do setor financeiros, mas firmas dos demais setores da economia, membros do mundo acadêmico, think-tanks, dentre outros, sendo a pesquisa de expectativas mais antiga do país, com início de sua série histórica em 1968.
O segundo instrumento são as “Household Surveys”, conduzida diretamente com as famílias e que busca através de um amplo questionário analisar a expectativa destes agentes acerca do comportamento da inflação futura.
O ponto central do paralelo acima é a amplitude das pesquisas de cada um dos países, com o modelo adotado nos Estados Unidos sendo claramente mais eficiente no sentido de captar uma gama maior de expectativas de diferentes atores do cenário econômico.
Tal atributo se faz necessário na medida que, se de fato estamos trabalhando com um modelo de expectativas racionais, utilizar pesquisas que contemplem apenas a opinião dos agentes do mercado financeiro parece, no mínimo, insuficiente, visto que não são apenas eles que afetam a dinâmica de oferta e demanda de crédito no país.
Ademais, causa certeza estranheza que ao ser utilizada como variável em um modelo econométrico, as expectativas não gerem algum problema de ordem estatística, uma vez que seu corte aparentemente sofre de um forte viés de seleção.
Estes são apontamentos e críticas que devem ser encarados como ponto de melhora em nossa condução de política monetária, sendo necessário estimular seu debate e aprimoramento ao longo do tempo, com vistas a se construir modelos mais eficazes e assertivos em suas respectivas tarefas.