Foi divulgado ontem, 28/04, o resultado primário do governo, relatório contendo informações sobre as receitas e despesas primárias, que serve, dentre outras coisas, como parâmetro para avaliação da performance do setor público ao longo de determinado período. No mês de março, o país registrou R$ 140,4 bilhões em receitas e 146,7 bilhões em despesas, gerando um déficit de R$ 6,3 bilhões.
Algumas variáveis normalmente são utilizadas para explicar este tipo de resultado, como, por exemplo, o desempenho do mercado de trabalho, além do próprio nível de demanda do país. Contudo, para entender a dinâmica recente é necessário também levar em conta um fator que normalmente é relacionado com os informes sobre desempenho fiscal e tem desempenhado um papel relevante para o conjunto da economia brasileira: a inflação.
É sobre a participação do índice, provavelmente o principal tema debatido no campo econômico desde 2021, que nos debruçaremos neste artigo, cujo objetivo é dar um panorama de seus efeitos no resultado fiscal do país no primeiro trimestre de 2022.
Como é composto o resultado primário?
O resultado primário é constituído pela Receita Primária, Transferências por Repartição de Receita, e Despesas Totais. A maneira como elas se organizam e suas respectivas definições podem ser encontradas abaixo.
Começando pela Receita Primária, de acordo com o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público, de autoria da Secretaria do Tesouro Nacional, as receitas orçamentárias do governo são “ingressos de recursos financeiros nos cofres do Estado denominam-se receitas públicas, registradas como receitas orçamentárias, quando representam disponibilidades de recursos financeiros para o erário, ou ingressos extraorçamentários, quando representam apenas entradas compensatórias.”
Para cumprir com os fins propostos neste artigo, nosso foco será a parte de receitas orçamentárias, que são aquelas consideradas efetivamente como receitas públicas. A definição técnica desta modalidade consiste em “recursos financeiros que ingressam durante o exercício e constituem elemento novo para o patrimônio público.”
Para o cálculo do resultado primário, é necessário utilizar o conceito de Receita Líquida, que consiste na diferença entre a Receita Total e as Transferências por Repartição de Receita, grupo que abriga algumas deduções feitas da receita federal feitas por força de lei, como no caso dos Fundos Constitucionais, Contribuição do Salário Educação ou o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios.
Já as despesas orçamentárias são definidas como “toda transação que depende de autorização legislativa, na forma de consignação de dotação orçamentária, para ser efetivada.” Este tipo de despesa, também chamado de Despesa Orçamentária Efetiva, em geral está atrelado à despesa corrente.
Qual a relação entre o resultado primário e a inflação?
O impacto da inflação no resultado primário do governo ocorre de duas formas:
No caso das receitas, a influência se dá na cobrança dos impostos que incidem sobre bens e serviços, que tomam como base alíquotas pré-estabelecidas e não variam de acordo com as mudanças nos preços. Isto faz com que a parcela arrecadada pelo governo seja maior à medida que a inflação aumenta, sem relação com uma eventual melhora na atividade econômica.
Pelo lado dos custos, como já é de conhecimento público, desde a promulgação da PEC 55/2016, conhecida como “Teto de Gastos”, houve a estipulação que as despesas seriam corrigidas pelo índice de inflação do período anterior, considerando como intervalo os meses de julho do ano anterior e junho do ano corrente. No ano passado, foi aprovada a Emenda Constitucional 113, resultado da PEC 23/2021, que dentre outras medidas, alterou o período a ser considerado para correção do teto, que passou a ser de janeiro a dezembro. Cabe agora analisar como os efeitos da inflação crescente vem afetando o orçamento do país, o que será feito na sequência.
Inflação e finanças públicas em 2022
A inflação acima do previsto tem sido um dos fatores a afetar o orçamento público em 2022, tendo atuado em conjunto com a apreciação cambial, a valorização do preço das commodities e o recebimento de receitas extraordinárias. Considerando os meses de janeiro e fevereiro, que serão utilizados como base uma vez que o Tesouro ainda não disponibilizou os resultados de março em função da recente greve dos servidores federais, a inflação, no acumulado anual, foi de, respectivamente, 18,21% e 17,41%.
No que diz respeito à arrecadação, a escalada inflacionária auxiliou no crescimento das Receitas Administradas pela Receita Federal Brasileira (RFB), que tomando como referência o mesmo período do ano anterior, cresceram em janeiro e fevereiro, respectivamente, 29% e 16%. Dentre seus componentes, o IPI merece destaque, tendo registrado expansão de 7% em janeiro e 21% fevereiro. Ao abrir o indicador, os dados de alguns grupos chamam atenção, como no caso da cobrança feita sobre o grupo de bebidas, um dos mais afetados pela inflação, que apesar da queda de 7% em janeiro, aumentou sua arrecadação em 14% em fevereiro na comparação anual, além dos recursos angariados com o imposto sobre o fumo, que também tiveram bom desempenho, com alta de 19% e 3% nos dois primeiros meses do ano.
Até mesmo o imposto cobrado sobre o grupo automóveis conseguiu resultado positivo em janeiro, com alta de 26% frente ao resultado do ano anterior. Vale destacar que, apesar do nível de atividade ser melhor em comparação ao início de 2021, quando as restrições causadas pela pandemia eram mais sentidas, a oferta de automóveis vem sofrendo redução considerável em função das interrupções na cadeia global de produção, o que causou um aumento substancial no preço dos veículos.
De acordo com cálculos feitos pelo Instituto Fiscal Independente (IFI), o impacto causado pela inflação é tamanho que os ganhos proporcionados tendem a superar as perdas em decorrência da redução do IPI para determinados setores.
O impacto da inflação nas despesas
Já na parte das despesas, o principal impacto da inflação se deu na alteração da forma de cálculo do teto, que fez com que a correção fosse de 10,06%, valor referente à inflação de 2021, e não 8,35%, valor utilizado caso o período originalmente proposto na PEC 55 fosse levado em conta. Esta alteração permitiu uma considerável ampliação das despesas, abrindo espaço fiscal de R$ 113 bilhões. Entretanto, apenas R$ 1,3 bilhão permanece disponível para contratação de novas despesas, uma vez que a maior parte já possui destinação, como por exemplo, o pagamento de programas sociais, à exemplo do Auxílio Brasil.
Ainda que não tenha sido o único vetor causador dos números apresentados acima, a inflação de fato possibilitou a obtenção de resultados significativos, com o país fechando o primeiro trimestre com um superávit de R$ 49,6 bilhões, especialmente se consideramos que o país vive um momento de fraco desempenho econômico.
O cenário atual pelo ponto de vista da inflação
O cenário atual, porém, tende a não se sustentar no longo prazo, tendo em vista que o combate à inflação por parte da Autoridade Monetária gerará externalidades negativas para o orçamento público, que perderá magnitude em sua receita na medida que os preços comecem a ceder. Embora este não seja um movimento esperado para o ano corrente, nem mesmo um nível de preços mais elevado irá impedir que as contas públicas terminem no vermelho, isto porque o com o nível de gastos planejados e a arrecadação comprometida pela atividade fraca econômica, é difícil pensar um cenário cuja tendência não seja de déficit.
Para mais conteúdos educacionais, acesse o blog da CM Capital.