Na última quarta-feira, 03/08, o Banco Central divulgou a decisão de política monetária referente à reunião realizada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no mesmo dia, quando foi acordado entre seus membros um aumento de 50 pontos base à taxa Selic, que passou para o patamar de 13,75% ao ano. Isto significa que os juros cobrados pelas instituições financeiras em suas diversas linhas de crédito ficarão mais caros a partir desta decisão, sendo esta uma ação que visa diminuir a pressão sobre os preços através de uma redução do chamado nível de demanda.
A queda no nível de demanda em uma situação como esta significa que, com os juros mais altos, consumidores e produtores estarão menos propensos a utilizar seus recursos e/ou tomar crédito no presente para realizar seus respectivos gastos, algo que pode indicar tanto a impossibilidade de acessar os recursos em função da taxa mais elevada, quanto a preferência por investir o capital em ativos financeiros no curto prazo, postergando para momentos posteriores a decisão de consumo e/ou investimento produtivo, tendo como bônus o recebimento dos juros que incorrerão sobre as aplicações financeiras.
Este processo faz com que a queda na demanda via redução do consumo permita a obtenção de um equilíbrio no mercado de bens e serviços, obtido a partir de um ajuste entre as quantidades ofertadas e os preços cobrados. Contudo, como a Selic consegue desencadear todo este processo em nossa economia? Como é possível garantir que as taxas subirão conforme buscado pela instituição? Quais ações a autoridade monetária dispõe em seu alcance para tanto? Estes pontos serão esclarecidos no decorrer deste artigo, onde serão apresentadas maiores informações sobre os chamados mecanismos de transmissão de política monetária.
QUAL O PAPEL DA SELIC NA POLÍTICA MONETÁRIA?
Apesar de normalmente ser encarada como uma taxa propriamente dita, a Selic trata-se, na verdade, de uma meta, devendo ser encarada como “nível ótimo” dos juros a ser perseguido pelo Banco Central em sua principal missão, que consiste na garantia da estabilidade de preços. Portanto, tendo em vista o real papel da Selic é importante responder agora a seguinte questão: como o Banco Central pode garantir a decisão de aumento de juros por parte do Copom chegará de fato à economia real?
Neste sentido, é importante entender o papel dos chamados mecanismos de transmissão de política monetária. Os mecanismos de transmissão são ações ao alcance da autoridade monetária e que possuem função de influenciar no comportamento da taxa de juros. Dentre os meios mais conhecidos, dois possuem mais destaque na literatura especializada e são utilizados pelo Banco Central Brasileiro, sendo eles os depósitos compulsórios e as operações em mercado aberto. Um resumo sobre cada um deles pode ser encontrado abaixo.
O QUE SÃO DEPÓSITOS COMPULSÓRIOS?
O depósito compulsório é um mecanismo utilizado pelo Banco Central para controlar de maneira direta a liquidez dos bancos e fazer com que a taxa de juros ofertada pelas instituições financeiras através de suas diversas linhas de crédito convirja de fato em direção ao caminho pensado para a política econômica do país. E como isto funciona?
Os bancos possuem contas vinculadas ao Banco Central, onde são obrigados a manter uma quantia depositada que varia de acordo com a taxa imposta pela autoridade monetária. Neste sentido, em termos práticos, quando o Banco Central pretende conter a inflação, esta taxa é elevada, fazendo com que os bancos tenham menos reservas para ofertar crédito, o que automaticamente desestimulará os agentes a tomar recursos no mercado para realizar investimentos ou gastos com consumo.
No sentido contrário, como forma de estimular a economia, o Banco Central pode reduzir a taxa de depósito compulsório dos bancos, fazendo com que mais liquidez, ou recursos, sejam injetados na economia através de taxas mais baixas, o que é positivo em termos de atividade econômica.
COMO FUNCIONAM AS OPERAÇÕES EM MERCADO ABERTO?
O segundo mecanismo de maior conhecimento e relevância para esta análise são as operações em mercado aberto, que consistem nas atuações diretas do Banco Central no mercado de títulos, comprando e vendendo ativos no mercado primário de acordo com a estratégia que acredita ser correta para o direcionamento da política monetária do país. Em linhas gerais, este mecanismo também funciona através do controle de liquidez disponível no mercado, sendo que, de maneira prática, quando o Banco Central define que irá vender uma quantidade de títulos maior do que adquirir, a premissa é de que a autoridade monetária busca enxugar a liquidez do mercado, ou seja, diminuir a quantidade de moeda em circulação, o que possui efeito deflacionário na economia. Da mesma forma que nos depósitos compulsórios, o contrário também é válido, com a compra de títulos por parte do Banco Central implicando a busca pela injeção de liquidez no mercado, com vistas a baixar os juros e dinamizar a economia.
EXISTEM OUTROS MECANISMOS DE TRANSMISSÃO?
É importante reforçar que estes dois mecanismos, além de serem utilizados atualmente, são os mais comumente apresentados nas literaturas especializadas sobre o tema, o que, no entanto, não significa que são os únicos meios para se garantir o cumprimento das decisões do Banco Central. Exemplo disto pôde ser visto recentemente com o anúncio da decisão de política monetária por parte do Banco Central Europeu, que além de divulgar o aumento dos juros da região para 0,50% ao ano, o primeiro em mais de uma década, anunciou também a criação de um mecanismo que visa garantir a transmissão da política monetária de maneira igualitária entre os países do bloco.
O mecanismo em questão, que em inglês foi batizado de Transmission Protection Instrument (TIP), consiste na entrada do Banco Central Europeu no mercado secundário de títulos públicos para comprar a quantidade de ativos que julgar necessário (notar a diferença do mercado de atuação desta modalidade e as operações em mercado aberto descritas anteriormente), com objetivo de evitar uma diferença muito grande de spread entre os países do bloco com níveis de dívida distintos, o que inviabilizaria a política monetária da região tendo em vista a diferença entre as taxas cobradas de países com dívidas públicas mais controladas e países com dívidas mais elevadas. O mecanismo é ativado quando um país solicita sua utilização, sendo que para ser contemplado com o benefício ele deve se adequar à quatro exigências feitas pelo BCE, sendo elas: i) adesão às normas fiscais da União Europeia; ii) ausência de desequilíbrios macroeconômicos muito acentuados; iii) sustentabilidade fiscal no longo prazo; iv) apresentação de um plano concreto de saneamento da dívida pública do país solicitante. O que se pretende apresentar com a explicação acima aqui é que os mecanismos de transmissão de política monetária podem variar de acordo com a necessidade e a gravidade da conjuntura em que determinado país se encontra, com o Banco Central devendo ter uma leitura apurada acerca dos problemas que enfrenta e como pode desenhar soluções eficientes para superá-los.