Visão geral
A política fiscal tende a ser tema central no campo macroeconômico em todo o mundo no ano de 2023, possuindo elevado potencial de impacto sobre as políticas monetárias restritivas implementadas mundo afora, especialmente nas economias desenvolvidas. No Brasil, o tema ganha ainda mais importância em função da transição de governo enfrentada pelo país no início de 2023, com várias dúvidas e incertezas afetando as projeções dos agentes.
De concreto existe a expectativa de que o quadro fiscal seja marcado pela reversão do superávit primário, diferença entre a receita líquida e despesas, observado em 2022. A explicação para este ponto de inflexão vai bem além da famosa “PEC de Transição”, projeto aprovado ainda no final do ano passado e que tinha como objetivo garantir recursos para manutenção do pagamento de programas de transferência de renda e investimento em outros programas sociais, passando também por aspectos da conjuntura esperada para 2023, bem como a reversão de eventos pontuais que beneficiaram a arrecadação em tempos recentes.
Em termos de conjuntura, a desaceleração do ritmo de crescimento no próximo ano é a principal variável explicativa para a deterioração das expectativas acerca do desempenho das contas públicas. A começar pelo efeito negativo proporcionado pela queda no nível de consumo, que traz consigo para baixo as receitas oriundas de impostos cobrados sobre bens e serviços, fontes relevantes de arrecadação mensal.
O mercado de trabalho, uma das principais fontes de arrecadação do governo, também deve ser afetado neste cenário, com a queda no consumo prejudicando setores com capacidade de contratação no curto prazo, como nos casos do comércio e serviços, enquanto a taxa de juros mais elevada tende a prejudicar a ampliação de vagas em setores mais voltados para resultados de médio e longo prazo, como a indústria de transformação e a construção civil.
Somado aos movimentos de natureza macro, é importante destacar também que fatores específicos, relacionados, por exemplo, à medidas legislativas com efeito sobre o sistema tributário do país, também terão papel fundamental na dinâmica das finanças públicas no próximo ano. Seus efeitos, porém, estão aparentemente sendo subjugados de maneira geral, tendo em vista a pouca atenção que estão recebendo nos meios de comunicação e nas falas de agentes ligados ao campo fiscal. Um breve resumo sobre quais são estes fatores e seus possíveis impactos sobre as contas públicas pode ser encontrado abaixo.
Inflação e conjuntura internacional: a dinâmica das receitas
Fatores específicos que contribuíram para obtenção de um melhor nível de receitas em 2022 não se repetirão no ano seguinte. Neste sentido, dois efeitos merecem destaque: i) a valorização das commodities exportadas pelo país no mercado internacional, que proporcionou arrecadação extraordinária do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); ii) o aumento da alíquota da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrada sobre empresas do setor financeiro.
Somados, a arrecadação com estes impostos foi de R$ 460,35 bilhões entre janeiro e novembro de 2022, o que representa um crescimento real de 19,18% frente ao mesmo período do ano anterior. A desaceleração do crescimento econômico deve afetar o preço das commodities e reduzir a arrecadação com o IRPJ, enquanto o aumento da alíquota da CSLL é válido até o fim de dezembro e não deve ser renovada.
Por fim, a queda da inflação também merece destaque neste sentido, tendo em vista que o menor nível de preços resultará em uma arrecadação mais baixa dos impostos cobrados sobre o consumo de bens e serviços das famílias. Neste sentido, a arrecadação de impostos como o IPI, cobrado sobre diversos segmentos de produtos industrializados, devem ser os mais comprometidos.
Medidas legislativas e aumento de gastos: os impactos sobre as despesas
O nível mais baixo de receitas contrastará com uma estrutura de despesas mais elevada, que contará com os gastos recorrentes, corrigidos pela inflação de acordo com o que é permitido pela regra do teto de gastos, assim como os R$ 145 bilhões acrescidos a partir da aprovação da “PEC da Transição”, que podem chegar a R$ 168 com a incorporação de receitas extraordinárias, cujos recursos serão utilizados para gastos com programas sociais, liberando parte dos recursos obtidos por dentro do tempo para serem remanejados em outras áreas.
A expansão das despesas, contudo, não será uma exclusividade do ano de 2023, sendo que ao longo de 2022, os gastos públicos já haviam sofrido acréscimo de aproximadamente R$ 165 bilhões em decorrência de medidas legislativas implementadas no decorrer do ano com finalidades diversas, o que incluiu a alteração das regras do teto de gastos, isenção de impostos com vistas a reduzir a inflação e a ampliação dos pagamentos de programas de transferência de renda, como no caso do Auxílio Brasil. Um resumo dessas medidas pode ser visto na tabela abaixo.
Houve ainda a aprovação do crédito consignado para beneficiários de programas socais, que chegou a R$ 6,7 bilhões no período em que esteve liberado. Importante ressaltar que boa parte deste valor pode acabar se tornando passivo para o erário público, tendo em vista a necessidade de renegociação dos empréstimos em função dos juros abusivos cobrados.
Não obstante, existe ainda a expectativa de abertura de créditos extraordinários para saneamento de dívidas específicas, como a compensação para estados e municípios que não conseguirem arcar com o piso salarial dos profissionais de saúde, algo que, embora ainda não exista estimativa oficial em termos quantitativos, já está sendo costurado no Congresso Nacional entre os envolvidos na elaboração do projeto e na construção do orçamento de forma a ser garantido desde o momento de sua implementação.
Outro ponto de atenção são os precatórios, que a partir deste ano passaram a contar com um teto para seus respectivos pagamentos. De acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentarias (LDO) elaborada pelo Ministério da Economia, em 2023, o governo gastará um total de R$ 17 bilhões com o pagamento de precatórios, postergando um estoque de R$ 51 bilhões para os anos seguintes. A projeção é que a combinação destes fatores acabe resultando em um déficit primário na ordem de R$ 80 bilhões, que também terá impacto sobre a trajetória da dívida pública do país.
Existem alternativas para o déficit?
A questão acima é talvez uma das mais difíceis de serem respondidas no contexto atual da economia brasileira tendo em vista o conjunto de fatores apresentados no decorrer do artigo. A ocorrência de um déficit nas contas públicas, porém, pode ser uma hipótese factível caso mudanças profundas na estrutura de arrecadação e despesas sejam feitas paralelamente à queda das receitas e aumentos dos gastos.
No caso das receitas, a reforma tributária, uma das principais promessas do governo atual e que deve ser debatida no âmbito do legislativo após décadas de esquecimento é provavelmente o mecanismo mais eficiente em termos de geração de arrecadação para o governo em um ano desafiador como 2023. Um sistema menos complexo e mais justo do ponto de vista da distribuição da renda podem impulsionar o nível de arrecadação do governo não só no curto prazo, mas permitindo efeitos mais prolongados que podem ser colhidos nas próximas décadas pela população.
Não obstante, a revisão de políticas que sejam dispendiosas do ponto de vista fiscal e com baixo retorno econômico e social também se mostra uma alternativa plausível para a proposta aqui apresentada. Neste caso, podem ser citadas políticas se isenções ou redução de impostos para determinados setores econômicos ou grupos. Vale destacar que este não é um debate tão trivial quanto parece, de maneira que além das discussões no campo público, são necessários estudos mais aprofundados e que gerem evidências o suficiente acerca da eficácia ou não de tais políticas.